Tocando Agora: ...
No ar: ...

...

Publicidade

Especialista em neuropsicologia responde principais dúvidas sobre o suicídio

Publicada em: 29/09/2025 15:11 -

Especialista em neuropsicologia responde principais dúvidas sobre o suicídio

Setembro Amarelo chama atenção para sinais de risco. Psicólogo compartilha orientações sobre como identificar sinais e oferecer ajuda


  • Compartilhar:
  •  
  •  
  •  
  •  
Felipe de Novaes Coelho é especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-Comportamental, além de Mestre em Gestão de Políticas Públicas. Ele responde dúvidas sobre o setembro amarelo (Foto: divulgação)
Felipe de Novaes Coelho é especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-Comportamental e já atendeu centenas de pacientes (Foto: Divulgação)

Setembro Amarelo é o mês dedicado à prevenção do suicídio. Criada no Brasil em 2015, a campanha tem como objetivo quebrar estigmas, ampliar o diálogo e incentivar que as pessoas busquem e ofereçam ajuda. Muito além de uma cor ou de um símbolo, trata-se de um movimento que valoriza a vida e a saúde mental, que se torna urgente diante dos números alarmantes.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 720 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos globalmente, sendo esta a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Desse total, 73% ocorrem em países de baixa e média renda, como o Brasil, onde em 2022 foram registradas 16.262 mortes por suicídio, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, o país ocupa o 1º lugar no mundo em prevalência de ansiedade e o 2º nas Américas em casos de depressão.

Leia também:

Diante desses dados, cabe se perguntar: será que alguém próximo de mim está pensando em tirar a própria vida? E, se estiver, eu saberei como agir? Para responder a essas e outras questões, conversei com o psicólogo Felipe de Novaes Coelho. Ele soma mais de sete anos de experiência clínica, mais de 2 mil atendimentos realizados, é especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-Comportamental, além de mestre em Gestão de Políticas Públicas. Atualmente coordenada o curso de Psicologia da Faculdade Adventista de Minas Gerais (Fadminas).

Existe o estigma de que falar sobre suicídio pode incentivar a prática. A campanha Setembro Amarelo nasceu justamente para combater esse mito. Como normalizar o assunto sem fomentar o risco? 

Quando a gente fala da campanha Setembro Amarelo, falamos de uma campanha de valorização à vida. O movimento da Psicologia percebeu que evidenciar o suicídio não necessariamente ajuda a combatê-lo. O que precisa ser feito, e o que a campanha Setembro Amarelo promove, é falar sobre o suicídio não como a alternativa, mas falar sobre a importância de viver, a importância e cuidar de si, cuidar do outro, estar atento para ouvir as pessoas que estão próximas, estar atento aos filhos, aos familiares, para que as pessoas possam ter modos de ajudar quem precisa. Porque quem recorre ao suicídio não recorre por falta de Deus ou por achar que a vida não vale mais a pena. Muitas vezes, é uma alternativa que se busca para reduzir a dor, porque não se consegue suportar a dor que está sentindo, a dor da própria existência. 

A OMS aponta depressão e abuso de substâncias como grandes fatores de risco, mas também há influências sociais, profissionais e situações de abuso. Pensamentos suicidas podem estar relacionados também a aspectos do dia a dia, como rotina, alimentação e nutrição?

Sim, podem sim. Principalmente em relação à rotina. O sono, por exemplo, tem papel fundamental para a regulação emocional. Dormir uma noite mal dormida aumenta em cerca 30% as chances de uma pessoa ter uma crise de ansiedade, ou ela ficar mais ansiosa. Se a gente fizer uma soma sucessiva de noites sem dormir bem, isso pode aumentar gradativamente os riscos de adoecimento.

Para além da boa qualidade de sono, uma rotina extremamente estressante de trabalho também pode levar a pensamentos suicidas. Uma pessoa que não tem tempo de lazer, tempo de autocuidado, nem individual nem com a família, não entra em contato com os amigos, acaba se isolando de tudo e entra num fluxo de uma rotina que é adoecedora. Isso também pode levar a um quadro depressivo. 

Quanto à alimentação e à nutrição, nós temos também alguns indicativos. Por exemplo, ferro baixo e vitamina D baixa são indutores de cenário em que a pessoa poderia se sentir mais cansada e mais deprimida. Não necessariamente chegaria ao ponto de pensamento suicida. Mas ela vai se sentir muito mais cansada e mais deprimida por consequência. Nessa condição, ela pode gerar efeito em cadeia, que é fazer menos atividades que envolvam, por exemplo, lazer e relação social contra as pessoas. Aos poucos, isso vai criando um cenário favorável para deprimir.

Cuidar da alimentação e cuidar da rotina são duas estratégias elementares para que as pessoas tenham não só longevidade, mas também tenham saúde mental. 

O mês de setembro foi escolhido para a campanha Setembro Amarelo porque o dia 10 é reconhecido como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (Foto: divulgação)
A relação social e alimentação desempenham papel fundamental no combate ao suicídio, reforça especialista (Foto: Divulgação)

Pensar sobre a morte é necessariamente ruim? Como identificar quando esses pensamentos se tornam um sinal de alerta? E como desenvolver autoconhecimento nesse sentido?

Como são três perguntas juntas, eu vou tentar responder separadamente. Primeira pergunta: pensar sobre a morte é necessariamente ruim? Eu preciso dizer que não. Em algumas abordagens e discussões da Psicologia, inclusive, a gente utiliza da reflexão sobre a brevidade da vida como um ponto de partida para se perceber ou se pensar sobre o que de fato é importante. Às vezes, pensar sobre o fim das coisas nos ajuda a olhar para aquilo com olhar um pouco mais sensível, para realmente dar atenção para o que é importante, para o que é significativo. Então, às vezes pensar na morte pode ser uma forma de viver a vida com mais propósito, com mais dedicação para aquilo que realmente importa. 

Em relação a identificar quando os pensamentos podem ser sinal de alerta, precisamos ficar atentos quando começamos rapidamente a pensar em morrer diante de qualquer frustração ou coisa ruim, do tipo “não queria existir, queria sumir”. Quando reações assim aparecem diante de situações simples, isso já é um sinal de alerta. Outro ponto é quando esses pensamentos não são apenas fáceis de surgir, mas se tornam constantes. Se a pessoa passa o dia imaginando formas ou cenários em que poderia morrer, isso também é um grande sinal de alerta, porque indica que algo não está bem. 

E aí, quando falamos em desenvolver autoconhecimento, a terapia é, muitas vezes, a melhor alternativa. Além disso, conversar com amigos e familiares também pode ajudar. Ambos têm importância: a percepção de pessoas próximas pode revelar aspectos que você não nota, e o psicólogo, na terapia, pode ampliar essa autopercepção, ajudando a identificar pensamentos, sentimentos e comportamentos ligados à depressão ou ansiedade. Isso contribui para construir estratégias de enfrentamento e aprender a gerenciar emoções e pensamentos, sem deixá-los assumir o controle e te deprimir.

Sendo então a terapia como a melhor alternativa, como o paciente pode saber se ela está sendo realmente efetiva para enfrentar pensamentos suicidas? E, no caso de um quadro depressivo, quais os caminhos possíveis para a recuperação?

Primeiro ponto, para um paciente saber se a terapia está funcionando, existem algumas perguntas que ela tem que se fazer. Estou me dedicando ao processo terapêutico? Estou me comprometendo com as atividades que são propostas ou discutidas? Será que eu estou assumindo o processo terapêutico como o meu também ou eu estou colocando na mão do terapeuta essa responsabilidade? Esse é um ponto de partida. 

Agora, é fundamental escolher bem o profissional. Nem todo psicólogo está apto a lidar com um paciente com risco de suicídio. Terapeutas com mais experiência, estudo e dedicação, que já trataram casos semelhantes, tendem a ter maior preparo. Para quem tem pensamentos suicidas, a terapia ajuda a construir novas formas de enxergar a vida. O parâmetro não é necessariamente a redução do pensamento suicida, mas o quanto a pessoa passa a desejar viver, a ter esperança, a sentir prazer, alegria e a gerenciar melhor os pensamentos, emoções e relações. Tudo isso tem a ver também com um bom processo terapêutico. 

E aí, para o caso de depressão, um dos tratamentos que a gente considera "tratamento ouro" é o que chamamos de ativação comportamental. E o que é ativação comportamental? A depressão leva a pessoa a um estado de quase “morte em vida”: isola do convívio social, reduz atividades prazerosas, tira energia, causa cansaço, indisposição e irritabilidade, além de gerar desculpas para evitar qualquer ação. A ativação comportamental é o tratamento de referência justamente por fazer o movimento contrário, ajudando a retomar atividades significativas e prazerosas.

A principal arma contra a depressão é a esperança. Nesse sentido, a fé e a promessa de Cristo de uma vida eterna podem ser fontes importantes de força e consolo. Claro, não estou falando que um quadro depressivo seja a ausência de Deus ou o esquecimento dessa promessa, mas quero dizer que lembrar-se dessa promessa pode ser um fator que contribui para se sentir bem.

Família e amigos são fatores de proteção. Como eles podem agir com sabedoria ao lidar com alguém que demonstra vontade de tirar a própria vida?

Família e amigos são fatores de proteção importantes. O primeiro passo é ter um olhar atento, e é fundamental levar a sério qualquer fala sobre tirar a própria vida, e nunca considerar manipulação ou brincadeira. Nesses casos, é preciso oferecer suporte e incentivar a busca por ajuda profissional.

Além disso, a gente precisa caminhar por um trajeto que ajude o outro a olhar para nós e enxergar em nós um apoio. A gente consegue fazer isso quando? Quando validamos a dor do outro, ouvimos com atenção e empatia, sem minimizar ou comparar com a própria experiência. Escutar de verdade, sem julgar ou pensar na resposta enquanto o outro fala, poder oferecer apoio real. Muitas vezes, o que a pessoa mais precisa é simplesmente de um ouvido amigo disposto a acolher. Isso pode ser transformador.

Se há histórico de suicídio ou tentativas na família, a atenção deve ser redobrada, pois isso é um fator de risco. Tanto a pessoa em sofrimento quanto os familiares podem se beneficiar de acompanhamento psicológico para desenvolver uma escuta mais sensível e lidar melhor com a situação. Resumindo: ouvir com presença, levar a sério os sinais e buscar ajuda são atitudes essenciais para agir com sabedoria.

Acredito que ajudar uma pessoa com pensamentos suicidas pode ser desgastante. Como familiares e amigos podem se fortalecer emocionalmente? Como saber se estão ajudando da forma certa, mesmo quando os resultados não parecem imediatos?

Ajudar uma pessoa com pensamentos suicidas pode ser desgastante, e familiares e amigos também precisam se fortalecer emocionalmente. O primeiro passo é o apoio mútuo. Quem dá suporte precisa igualmente cuidar de si. É comum que a família fique em estado de alerta por longos períodos, inclusive à noite, observando comportamentos da pessoa em risco, e isso gera desgaste. Por isso, é importante dividir responsabilidades, buscar terapia de suporte e praticar o autocuidado por meio de descanso, alimentação adequada e atividade física. Esses fatores contribuem para manter forças físicas e emocionais diante de um desafio tão grande.

Outro ponto importante é compreender que o processo é gradativo. Pessoas com depressão ou pensamentos suicidas, muitas vezes, rejeitam a presença de quem tenta ajudar, podendo adotar atitudes críticas, agressivas ou de afastamento. Nesses casos, paciência e resiliência são fundamentais, assim como a supervisão próxima, como: observar onde a pessoa vai, o que faz e como se comporta, especialmente em situações mais graves. 

Por fim, é preciso ter clareza de que nada acontece de forma imediata. O cuidado exige tempo e perseverança. Entrar nessa experiência já sabendo que ela demandará muito da família é também uma forma de se preparar. Além disso, conversar com a própria pessoa sobre o que está sendo útil, perguntar se determinada atitude ajuda e dialogar com o terapeuta são caminhos valiosos para perceber se realmente estão contribuindo.

Quando uma família perde alguém vítima de suicídio, como ela pode se cuidar e aprender a não carregar a culpa?

Essa é uma das perguntas mais complexas que você trouxe aqui pra mim. Preciso ser muito sincero contigo. Perder alguém por suicídio, inevitavelmente, leva à culpa. As pessoas tendem a pensar que o suicídio aconteceu porque não estavam atentas ou porque poderiam ter feito algo diferente. É importante entender que, muitas vezes, dentro dos limites do que podia ser feito, já foi feito. Quando a família percebe que ofereceu cuidado, suporte e atenção, e que dentro do possível fez o que estava ao alcance, isso já ajuda a aliviar parte desse peso.

Ainda assim, a dor e a culpa costumam ser gigantescas e atravessam a vida da família por muito tempo. É um processo de reaprender a viver sem alguém importante, convivendo com a sensação de que poderia ter feito algo melhor. Nesse sentido, a terapia é essencial para ajudar a validar o que foi feito, reconhecer o esforço dado e aprender a lidar com o luto.

Em contextos em que houve de fato negligência, o trabalho terapêutico passa pela aceitação das falhas e imperfeições, reconhecendo que não foi possível perceber ou dar conta do que era necessário. Esse processo é muito difícil e doloroso, mas com acompanhamento é possível rever, analisar e ajustar formas de se relacionar com essa experiência tão dura.

Para finalizar, separei algumas frases e gostaria se saber o que é mito ou verdade sobre o suicídio:

• “Suicídio é sempre um ato impulsivo”

Mito. Embora exista um número crescente de casos impulsivos, muitos suicídios são pensados e planejados de forma gradativa. Há pessoas que elaboram cartas, despedidas e organizam detalhes antes do ato. Por isso é importante observar mudanças de comportamento ao longo do tempo, não apenas momentos isolados.

• “O suicídio sempre acontece com aviso prévio”

Não necessariamente. Há casos com sinais sutis ou claros, e há casos sem qualquer aviso aparente, especialmente nos perfis mais impulsivos. Por isso, o cuidado precisa ser contínuo. Não espere o “aviso oficial”. Vale investir em prevenção desde quando a pessoa ainda parece estar bem.

• “O suicídio só acontece em transtornos mentais graves”

Mito. Transtornos mentais graves (como alguns transtornos de personalidade ou depressão severa) aumentam o risco, mas suicídio também pode ocorrer em pessoas sem diagnóstico grave, por exemplo, em contextos de isolamento, violência, bullying, uso de comunidades online que incentivam a autolesão, perda intensa ou episódios de crise aguda. Fatores sociais e ambientais importam tanto quanto fatores clínicos.

Contato de ajuda 

Se você estiver passando por um momento difícil e pensar em suicídio, procure ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e atua na prevenção do suicídio.

O atendimento é gratuito, voluntário, sigiloso e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, por telefone, e-mail ou chat.

Você pode acessar pelo site: cvv.org.br


Você também pode receber esse e outros conteúdos diretamente no seu dispositivo. Assine nosso canal no Telegram ou no WhatsApp.

Quer conhecer mais sobre a Bíblia ou estudá-la com alguém? Clique aqui e comece agora mesmo.

 
Compartilhe:
COMENTÁRIOS
Comentário enviado com sucesso!
Carregando...