Transições que constroem legados
A sabedoria de identificar os momentos em que é preciso mudar a rota é um dos grandes trunfos de um líder
Gosto muito da definição de que liderar é influenciar. Ao longo dos últimos anos, tenho percebido que essa é realmente a essência da liderança. No entanto, há momentos em que o líder precisa agir. Em outros, liderar é saber recuar, observar e permitir que uma nova visão floresça.
Conceitualmente, gostamos muito de falar sobre ciclos, mas quando eles chegam até nós, tornam-se um desafio. Um ciclo nasce de um propósito, cresce com os desafios e, em algum momento, precisa abrir espaço para que algo novo aconteça. Essa transição não representa uma perda, mas sim maturidade. O texto bíblico de Eclesiastes 3:1 fundamenta esse pensamento: "Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu."
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Na jornada de qualquer organização, chega o tempo em que aquilo que nos trouxe até aqui já não é suficiente para nos levar adiante. Não porque falhamos, mas porque os desafios mudaram, e, com eles, a forma de liderar também precisa se renovar.
Nem sempre percebemos esse momento com clareza. Como alguém que usa óculos e não percebe o quanto estão embaçados, nossa lente da liderança pode perder o foco. Antes afiada e estratégica, ela pode se tornar resistente às mudanças, à escuta e à inovação.
Espaço para o novo
Transição é uma palavra bonita de dizer, mas difícil de viver. Como é desafiador torná-la real em nossa trajetória! Alguns personagens bíblicos podem nos lembrar e ensinar.
Foi assim com grandes líderes da história. Moisés, após anos de liderança firme e fiel, ouviu de Deus que sua missão havia se cumprido. Ele então chamou Josué, encorajou-o publicamente e o apresentou ao povo como novo líder (Deuteronômio 31:7-8).
Elias, ao encerrar sua jornada, passou seu manto a Eliseu não com amargura, mas com generosidade. Reconheceu que era tempo de outro seguir, com nova força e uma unção dobrada (2 Reis 2:9-15).
Davi, com a sabedoria dos anos, preparou Salomão para construir aquilo que ele mesmo sonhara, mas que já não lhe cabia realizar. Em vez de resistir, Davi orientou, abençoou e entregou (1 Crônicas 28:9-10).
Esses homens compreenderam algo profundo: liderança não é posse, é responsabilidade. E parte dessa responsabilidade está em saber quando é hora de conduzir, e quando é hora de confiar a condução a outro. Talvez Moisés seja o caso mais marcante dessa transição. Sua submissão o levou a um lugar ainda melhor do que a Terra Prometida.
Benefícios comprovados
Estudos da Harvard Business Review mostram que lideranças muito longas, acima de 10 anos, tendem a dificultar processos de inovação e renovação.
Com o tempo, podemos nos cercar de certezas e perder o frescor da escuta. Podemos manter estruturas que nos serviram bem, mas que já não nos impulsionam. Não por erro, mas por apego ao que um dia funcionou.
Pesquisas da MIT Sloan Management Review revelam que organizações com sucessões planejadas em ciclos saudáveis mantêm sua agilidade e relevância. A continuidade não está na permanência de um único líder, mas na fluidez do propósito.
Segundo o Center for Creative Leadership, empresas que preparam seus sucessores com antecedência têm mais chances de prosperar a longo prazo. O que sustenta uma organização não é o controle, mas a coragem de confiar.
Preparação de novas lideranças
Liderar bem é também preparar bem. A verdadeira grandeza está em deixar um legado vivo e não estático. É formar pessoas, abrir espaço, compartilhar conhecimento e permitir que novas ideias floresçam.
Algo profundo a aprender é que a vida não termina quando se deixa a liderança. Há novos papéis a cumprir na jornada chamada vida. Novos formatos de contribuição. Novos propósitos, que talvez só se revelem quando deixamos o palco principal.
Quando a transição é bem feita, acontece como vemos na Bíblia: Josué construiu, Eliseu avançou, Salomão edificou. Nenhum deles anulou o que veio antes — pelo contrário, honraram e ampliaram o legado que receberam.
Encerrar um ciclo não é sinal de fracasso. É sinal de sabedoria. E sabedoria, como ensina Provérbios, é o que firma e sustenta qualquer construção duradoura: "Com sabedoria se constrói a casa, e com discernimento ela se firma" (Provérbios 24:3 ).
Talvez o maior ato de liderança seja justamente esse: preparar a organização para continuar crescendo mesmo depois de nós.
Referências:
Harvard Business Review: When a Leader Stays Too Long: https://hbr.org/2016/10/when-a-leader-stays-too-long
MIT Sloan Management Review: The Case for Leadership Succession Planning: https://sloanreview.mit.edu/article/the-case-for-leadership-succession-planning/
Center for Creative Leadership: Succession Planning: What the Research Says: https://www.ccl.org/articles/leading-effectively-articles/succession-planning-what-the-research-says/

